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DW África falou com advogado e jornalista angolano William Tonet que, em 1977,
trabalhava no gabinete de Nito Alves. Hoje é uma das vozes que denunciam as
atrocidades cometidas por ordem do presidente Agostinho Neto.
DW
África: O que, representa, para si, o 27 de maio?
William
Tonet (WT): Nós conhecemos em África, depois de uma independência, uma das
maiores chacinas seletivas do ponto de vista ideológico. E essa chacina foi
cometida para acabar com a liberdade de pensamento e de expressão.
DW
África: Os números das vítimas são divergentes...
WT:
Não me repugna falar em mais de 60 mil ou um número próximo dos 80 mil de
assassinatos, porque aqueles que dirigiram a chacina nunca estiveram
preocupados com a quantidade. Bastava que alguém dissesse que aquele indivíduo
talvez... para ser imediatamente preso. Se perguntar a eles: quantas pessoas
prenderam, eles não sabem responder, mas sabemos que eles ficavam contentes
quando, num dia, matavam mais cem ou mais duzentos. E muitos dos assassinos
estão vivos. Eles têm que assumir isso. Veja quantos denominados responsáveis
do 27 de maio sobraram?
DW
África: Não acha que os crimes prescreveram, 35 anos depois?
William
Tonet, em 1977, trabalhava no gabinete de Nito Alves e costumava abrir os
comícios dele
WT:
São crimes contra a humanidade, não prescreveram. E não prescreveram porque as
pessoas responsáveis, que ainda estão vivas, não fazem nenhum esforço por se
penitenciarem. Eles só vêem o poder, não vêem as consequências. Esse crime não
prescreve. Os crimes da segunda guerra mundial também não prescreveram e não
irão prescrever. Há pessoas à beira dos cem anos a serem responsabilizadas
civil e criminalmente na Europa, e aqui em Angola também vai haver isso.
Infelizmente nós não temos uma cultura de reconciliação. O MPLA tem medo de
liderar um processo, como fez a África do Sul. Em África, Angola não está a dar
um bom exemplo de uma política de verdadeira reconciliação nacional, ao
contrário da África do Sul.
DW
África: Porque é que o tema 27 de maio continua a ser um tabú em Angola?
WT:
Porque as pessoas não pensam o país, e quando as pessoas - em vez de pensarem o
país - pensam o poder, a verdade torna-se tabú. Eu costumo dizer: todos os
movimentos de libertação cometeram erros graves, violações graves dos direitos
humanos. Mas aqui em Angola só se fala da FNLA e da UNITA, como se os outros
fossem um poço de pureza, mas não foram. É preciso que nós tenhamos a coragem
de refazer a história e penitenciarmo-nos todos e dizer que foi num dado
momento, que as circunstâncias foram estas, mas vamos reencontrar-nos em vez de
continuarmos a cavalgar, uns no poder e outros com um sentimento de revolta.
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