O
julgamento do jornalista Ramiro Aleixo teve início a 11 de Maio de 2012, no Tribunal Provincial de Luanda. O
jornalista é acusado, pelo Ministério Público, de difamação, calúnia e injúria
dos órgãos de justiça militar. Em Setembro 2007, o réu escreveu dois artigos no
jornal que dirigia, Kesongo, sobre o julgamento e a condenação do ex-chefe dos
Serviços de Inteligência Externa, general Fernando Garcia Miala, tendo
considerado o procedimento judicial como uma farsa. Inicialmente, a sociedade
angolana teve conhecimento público sobre uma sindicância contra o general
Miala, sob a acusação de tentativa de golpe de Estado.
Para
espanto do jornalista e, de um modo geral, da opinião pública nacional, o
general Miala respondeu em tribunal por insubordinação por se ter recusado a
comparecer em cerimónia pública para a sua desgraduação de general ao grau de
tenente-general. Foi condenado a quatro anos de prisão efectiva, assim como
três dos seus mais próximos colaboradores, sentenciados a dois anos e meio de
prisão efectiva cada.
No
texto “O País Tomou Rumo Perigoso”, antes de emitir a sua opinião sobre o
tratamento carcerário a que o general e os seus colaboradores estiveram
sujeitos, em situação de prisão preventiva, e do julgamento em si, o jornalista
regozijou-se com o papel da imprensa privada na cobertura do caso. Segundo
Ramiro Aleixo, o Caso Miala “serviu para mostrar ao país e até ao mundo, que é
inquestionável a importância da prestação dos órgãos privados de comunicação
social na democratização da nossa sociedade.” Mais afirmou que: “Em todos os
trabalhos de cobertura jornalística, nenhum órgão de comunicação social privado
tomou partido de Miala, dos seus subordinados nem de qualquer outro
interveniente. Retrataram-se apenas factos e opiniões da sociedade, de
especialistas em matéria de direito que, maioritariamente, porque até eles têm
medo desse poder, preferiram opinar em off.”
Sem
rodeios, o jornalista partilhou a sua opinião sobre o caso contra os altos
oficiais dos serviços secretos angolanos. Segundo Ramiro Aleixo, “o julgamento
de Miala e dos seus três subordinados foi uma farsa, porque os interesses do
poder, suplantaram os da Justiça isenta.” Afirmou ainda que na
“impossibilidade” dos queixosos em apresentarem provas sobre uma suposta
tentativa de golpe, “o Presidente da República, José Eduardo dos Santos,
transferiu para a alçada militar a responsabilidade de castigar esse seu antigo
‘guarda-costas.’”
No
entanto, o julgamento de Ramiro Aleixo converteu-se em mais uma oportunidade
extraordinária para avaliar o sistema de justiça em Angola. O réu foi
notificado através de um edital publicado no diário oficioso Jornal de Angola,
com a data de 11 de Abril de 2012. O Juíz Municipal Alfredo Lourenço Martins,
que presidiu ao julgamento, alegou a decisão de se publicar o edital devido a
supostas dificuldades que os oficiais de diligência tiveram em localizar o réu
durante três anos. Na realidade, Ramiro Aleixo manteve sempre o mesmo endereço
domiciliar, na província de Benguela, onde o jornal era publicado, e os dados
sobre a sua residência constavam do edital. De 2009 a 2010, Ramiro Aleixo
exerceu as funções de porta-voz do Comité Organizador do Campeonato Africano
das Nações (COCAN), em Benguela, com bastante visibilidade mediática.
Do
ponto de vista legal, a acusação enferma de dois sérios problemas. O Ministério
Público, representado por Teresa Caumba, procedeu com a acusação baseando-se
única e exclusivamente no Código de Processo Penal, ignorando, na sua
integridade, a Lei de Imprensa, que rege o exercício do jornalismo. A acusação
sustenta a agravação da responsabilidade criminal do arguido, denunciando que o
mesmo “cometeu o crime com excesso de poderes”, baseando-se no Art. 13º, 11, do
Código do Processo Penal. A acusação não prestou quaisquer informações sobre o
tipo de poderes usados pelo jornalista e com suposto excesso.
O
segundo problema é de jurisdição. Nos termos do Art. 45 do Código do Processo
Penal, é competente o tribunal em cujo território o crime foi praticado. Ramiro
Aleixo publicou o seu texto no semanário Kesongo cuja sede era em Benguela,
onde também era impresso e distribuído o jornal. Por essa razão, é da
competência do Tribunal Provincial de Benguela julgar o caso e não o de Luanda,
conforme argumentos do advogado de defesa, Benja Satula.
Por
outro lado, nem o juíz nem a representante do Ministério Público manifestaram
interesse em ouvir o declarante, o actual Procurador-Geral Adjunto da República
para as Forças Armadas Angolanas, general Hélder Pitra Gróz. O juíz dirigiu-lhe
apenas uma pergunta sobre o seu tempo de serviço na justiça militar. A
procuradora Teresa Caumba dispensou o declarante, alegando que a queixa
constava dos autos e, para o efeito, não precisava de fazer mais perguntas.
No
entanto, ao responder às perguntas do advogado de defesa, sobre o suposto golpe
de estado, o general Pitra Grós fez uma revelação que bem poderia ter sido
copiada do segundo texto de Ramiro Aleixo “A História Está Mal Contada.”
No
seu texto, o articulista afirmou: “Não conheço
um só caso em África de alguém que, acusado de tentativa de golpe, não tenha
sido preso, não foi forçado ao exílio ou não tenha sido barbaramente
assassinado, com ou sem julgamento.” O general Pitra Grós defendeu a posição do
Comandante em Chefe e do regime dizendo o mesmo. Com diferença semântica
apenas, o general disse, ao invês de barbaramente assassinado, “ou não acontece
o pior, como ser morto.” Esta última parte não foi lida para os autos.
O
jornalista mal conseguia esconder a sua incredulidade ante à corroboração do
general sobre o mesmo texto considerado difamatório, calunioso e injurioso. O
general manteve-se, até à sua saída da sala, a olhar para os seus botões e a
falar em tom sempre muito baixo, como se estivesse a evitar que o percebessem.
De
certo modo, o ambiente sufocante da sala de julgamento, também manifesta a
importância institucional que se atribui à
realização da justiça. A assistente do juiz, talvez enfraquecida pelo
calor, adormeceu indiferente ao que se passava durante a audiência, tendo
requerido a intervenção do magistrado para a despertar do torpor em que se
encontrava. Das 60 luzes, no tecto da sala, apenas 17 se mantinham em
funcionamento, criando um ambiente sombrio. A sujidade das paredes brancas ora
acastanhadas, no corredor, indicavam certo estado de incúria. A procuradora
reclamou cansaço, ante o vigor do advogado de defesa que se manifestava
preparado para apresentar as alegações.
No
fim da audiência, de quatro horas e meia, o juíz agendou, para o dia 25 de Maio
de 2012, a apresentação das alegações, por parte da defesa, dos quesitos e a leitura da sentença. Tudo no
mesmo dia.
Benja
Satula abanou a cabeça. Arriscou. Disse que poderia ser castigado afirmando que
o juíz, se assim procedesse, com a apresentação das alegações, quesitos e
leitura da sentença no mesmo dia, já teria lavrado a sentença antes do
julgamento.
É
arrepiante notar como, com um dos maiores crescimentos económicos do mundo, o
regime não tem dinheiro para substituir as lâmpadas de um tribunal onde procura
defender a honra e a dignidade dos seus principais dirigentes. Muito menos para
reparar os ar-condicionados e garantir conforto aos magistrados que arrepiam os
caminhos da lei para os defender.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Faça o seu Comentário