A
três meses da data das eleições, maior atenção deve ser prestada à sua
realização, para que os processos de votação e escrutínio respeitem a vontade
do povo.
É
importante, pois, que o processo eleitoral mereça uma análise mais aprofundada
e independente, no sentido de contribuir para que os cidadãos estejam mais bem
informados, para além dos discursos oficiais e das reclamações da oposição.
O
acto mais recente e significativo para a realização das eleições tem a ver com
a entrega do Ficheiro Central Informático do Registo Eleitoral (FICRE), que o
Ministério da Administração do Território (MAT) procedeu à Comissão Nacional
Eleitoral, a 15 de Maio passado. O FICRE contém os dados de mais de 9.7 milhões
de eleitores.
De
acordo com a Lei Orgânica das Eleições Gerais (Lei nº 36/11), a transferência
da custódia e gestão do FICRE, que contém todos os dados relativos ao processo
eleitoral, “é precedida de uma auditoria a ser realizada por uma entidade
especializada independente e contratada pela Comissão Nacional Eleitoral” (Art.
211º, 2, da mesma lei).
Em
conferência de imprensa, o ministro da Administração do Território regojizou-se
com o cumprimento da lei, tendo afirmado que “não quisemos deixar passar este
prazo e cumprimos este imperativo legal”.
No
entanto, apesar da cerimónia formal, o MAT ainda continua a trabalhar na base
de dados sobre o registo eleitoral por, segundo fontes da CNE, haver dois
milhões de eleitores cujos dados requerem actualização, incluindo a eliminação
dos falecidos. Outro trabalho prende-se também com o encerramento de várias
dezenas de assembleias de voto, cujo número respectivo de eleitores é inferior
a 100, e a sua transferência para outras mais próximas.
Se,
por um lado, o ministro cumpriu com o prazo de entrega dos ficheiros, a 15 de
Maio, por outro, essa entrega não foi precedida de auditoria como requer a lei.
Apenas
a 2 de Maio passado, menos de duas semanas antes da cerimónia formal de entrega
dos ficheiros, o plenário da CNE “definiu os pressupostos da empresa que será
contratada para efectuar a Auditoria ao Ficheiro Informático Central do Registo
Eleitoral (FICRE).” Em declarações à imprensa, após o referido encontro, a
porta-voz da CNE, Júlia Ferreira, informou, com ambiguidade, sobre “a
exiguidade temporal” na selecção da empresa para realizar a auditoria que, uma
vez contratada, deveria apresentar o relatório de auditoria até ao dia 12 de
Maio.
No
entanto, a lei também exige que a CNE, como qualquer instituição pública,
realize concurso público para a contratação de empresas. Segundo informações
recolhidas por Maka Angola junto de alguns membros do plenário, “não houve
concurso público para a escolha da empresa de auditoria e os comissários da CNE
desconhecem o processo de contratação”.
Outra
fonte afirma que, na 5ª Sessão Ordinária da CNE, a 3 de Maio, a presidente da
CNE, Suzana Inglês, informou o plenário que teve a iniciativa de seleccionar
cinco empresas, para a realização da auditoria, e leu os seus nomes: Delloit,
Ernst & Young, KPMG, PWC e Tawer.
Para
surpresa dos comissários, Suzana Inglês deu-lhes a conhecer, de seguida, que
tinha escolhido a Delloite para a realização da auditoria. Esta decisão deveria
ter sido tomada, de forma colegial e a votos entre os comissários, após o
cumprimento dos procedimentos de um concurso público, que nunca se realizou.
Como
justificação pública, a porta-voz da CNE, Júlia Ferreira, disse à imprensa que
os critérios que estiveram na base da escolha da Delloite têm a ver com a
apresentação de “um orçamento mais vantajoso” e também “primamos por indicar
uma empresa que tivesse um reconhecimento, que tivesse alguma notoriedade e
credibilidade, não só ao nível nacional mas também ao nível internacional.”
Mais afirmou que as outras empresas contactadas manifestaram-se incapazes de realizar
a auditoria.
Uma
fonte da CNE exprimiu a sua indignação face ao modo como Suzana Inglês, sob
instruções da presidência, “tem transformado o cargo de presidente em órgão
exclusivo de decisão, contrariamente aos regulamentos internos que estipulam a
consulta aos outros comissários eleitorais, de forma colegial.”
O
modo como o executivo e a CNE violam, de forma flagrante, a legislação em vigor
no que respeita à preparação das eleições avoluma as suspeitas sobre a falta de
transparência do processo. A escolha da Delloite, por sua vez, revela ligações
perigosas para a credibilidade desta firma de auditoria internacional, como se
verá.
Quem
é a Delloite?
A
Deloitte & Touche opera em Angola desde 1997, como afiliada da portuguesa
Deloitte & Associados, SROC S.A. que, por sua vez, é membro da multinacional Deloitte Touche
Tohmatsu Limited, sedeada no Reino Unido.
De
forma estranha ao seu objecto social, a Deloitte criou, no ano passado, os
prémios Sirius para reconhecer as melhores práticas de gestão em Angola. Como
membros do júri, a Deloitte contratou o secretário para os Assuntos Económicos
do Bureau Político do MPLA e deputado à Assembleia Nacional, Manuel Nunes
Júnior, que o preside. A auditora internacional contratou ainda o presidente do
Conselho de Administração do Instituto para o Sector Público Empresarial, Henda
Inglês, e a ex-vice governadora do Banco Nacional de Angola (BNA) e actual
assessora do titular desta instituição, Laura Alcântara Monteiro. A ligação a
desta última assessora do BNA em nada incomoda a Deloitte, que presta serviços
de auditoria ao banco. Por sua vez, Henda Inglês é filho de Suzana Inglês.
Assim, a 2 de Dezembro de 2011, em cerimónia formal, a Deloitte, por decisão do
júri, outorgou o principal dos seus prémios, de “melhor gestor do ano”, ao
então presidente do Conselho de
Administração da Sonangol, Manuel Vicente, que é colega de Manuel Júnior no
Bureau Político do MPLA. Manuel Vicente exerce, actualmente, o cargo de
ministro de Estado para a Coordenação Económica e foi o principal responsável,
entre 2007 e 2011, pelo descaminho de US $32 biliões de dólares, de receitas do
petróleo, que o executivo continua por justificar à sociedade angolana. Manuel
Vicente é também um dos principais candidatos do MPLA às próximas eleições,
sendo o seu nome cogitado para vice-presidente.
De
forma despropositada, a Deloitte também atribuiu um prémio especial de
homenagem ao Presidente da República e do MPLA, José Eduardo dos Santos, “pelos
feitos realizados em prol da paz e do desenvolvimento do país.” Dois meses
antes, a 12 de Outubro de 2011, o Presidente Dos Santos concedeu uma audiência
ao presidente da Deloitte – Angola, Rui Santos Silva. Segundo a Angop, o
encontro serviu para a análise de “aspectos ligados ao funcionamento desta
empresa no país”. Em termos
protocolares, José Eduardo dos Santos não costuma receber, com cobertura
mediática, gestores estrangeiros privados que não tenham grandes interesses ou
negócios com o Estado angolano. O mais estranho é que, à saída do encontro, Rui
Silva também fez o papel de porta-voz do Presidente, transmitindo à imprensa o
que o chefe de Estado lhe tinha dito.
O
Presidente da República, como é do conhecimento público, insiste em manter e
legitimar, ao arrepio da lei, Suzana Inglês no posto de presidente da CNE. A
lei obriga a nomeação de um magistrado para o cargo, como forma de garantir a
independência de funções. Documentos oficiais têm provado que a cidadã é, sim,
advogada registada na Ordem dos Advogados de Angola e membro do Comité Nacional
da organização de mulheres do MPLA, a OMA.
Dadas
as circunstâncias de conotação com o MPLA, a Deloitte manifesta sérios
conflitos de interesse ao engajar-se na auditoria dos registos eleitorais.
Ademais, iniciou a realização da auditoria fora do prazo estipulado por lei,
para a entrega formal dos ficheiros e de forma obscura. Até à presente data, os
comissários da CNE, para além de Suzana Inglês, desconhecem os termos do
contrato assinado e orçamento para a realização da auditoria. Como pode tão
reputada empresa envolver-se em actos que atropelam as normas básicas de
transparência?
Durante
anos, o MPLA e o seu governo se recusaram, em clara violação à Constituição, a
permitir que o processo de registo eleitoral fosse realizado pela CNE. A este
órgão, a Constituição confere poderes para, de forma independente, organizar,
executar, coordenar e conduzir os processos eleitorais, incluindo a logística
eleitoral.
Manobras
do género tiveram grande impacto na esmagadora vitória do MPLA, nas eleições
passadas, tendo recolhido mais de 81 porcento dos votos do eleitorado. Tanto a
oposição como os observadores não tiveram acesso às salas de escrutínios, onde
os resultados foram apurados e só assim foi possível, em algumas localidades,
como no Kwanza-Norte, 100 porcento do eleitores registados terem “votado”.
A
Decisão do Tribunal Supremo
Após
a redacção deste texto, foi tornado público, no final da tarde de 17 de Maio, a
anulação da nomeação de Suzana Inglês do cargo de presidente da CNE, por
recurso interposto pela UNITA, por violação da lei.
Desse
modo, os actos administrativos subscritos por Suzana Inglês devem ser
impugnados, como ilegais, incluindo a contratação da Deloitte.
Esta
empresa deve, imediatamente, renunciar a realização da auditoria aos ficheiros
do registo eleitoral por conflitos de interesse e falta de transparência.
Fonte:makaangola.org
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