“As
pessoas sabem que as coisas não estão bem, mas têm muito medo de perderem
empregos e famílias”, explicou Beirão, cujo pai foi membro do MPLA. “Para mim,
os que se mantêm em silêncio simplesmente são cúmplices das injustiças que
acontecem aqui”, ressaltou. As autoridades angolanas ainda não se aperceberam
que não é com violência , repressão e perseguições que vão convencer os seus
opositores a deixarem de exercer em pleno a sua
cidadania ,na luta pelos seus direitos e liberdades, contra a
desigualdade, a corrupção, a repressão e a ausência de empregos decentes,como
se pode acreditar numa sociedade que mais de metade da população está condenada
a viver a margem do sistema.
Ativistas
pelos direitos humanos alertam para a deterioração do clima político em Angola,
após o ultimo raide policial ao jornal “Folha 8″ e os ataques contra
manifestantes da oposição mes passado. Artigo de Louise Redver, da IPS.
No
mes passado, dois computadores foram apreendidos nos escritórios da Folha 8,
uma das poucas publicações privadas críticas do governo. A polícia tinha ordem
para investigar “crimes de ultraje contra o Estado”. O fechamento do jornal e o
interrogatório de seu editor, William Tonet, que também teve confiscada a
bateria do seu telemóvel, aconteceram 48 horas depois que jovens angolanos
tentaram realizar manifestações em Luanda e na cidade costeira de Benguela.
As
marchas foram convocadas para protestar contra as irregularidades no processo
eleitoral, entre elas a nomeação de um membro do partido do governo para
dirigir a Comissão Nacional de Eleições. Apenas umas dezenas de pessoas se
reuniram em cada cidade, mesmo assim não foi permitido que nenhum protesto
completasse o caminho previsto. Em Benguela, polícias fortemente armados
dispersaram os manifestantes e fizeram várias prisões. Em Luanda, onde nos dias
anteriores houve relatos de rusgas em domicílios e ameaças aos organizadores,
grupos armados não identificados realizaram ataques de rua contra os ativistas,
com saldo de várias pessoas seriamente feridas.
“Estamos
especialmente preocupados com o que ocorre em Angola, porque este é um ano
eleitoral, no qual as pessoas devem ter direito de se expressar livremente”,
afirmou Lisa Rimli, da Human Rights Watch. “As pessoas não podem realizar
manifestações públicas, o que é seu direito segundo a Constituição, e o facto
de os jornais privados serem atacados também é muito preocupante”, acrescentou
esta pesquisadora para Angola da HRW, organização humanitária com sede central
em Nova York. Rimli disse estar especialmente alarmada pelo tipo de violência
cometida contra os manifestantes. “Os atacantes estavam armados e batiam nas
cabeças das pessoas. Foi muita sorte ninguém morrer”, acrescentou.
A
Polícia Nacional angolana responsabilizou pela violência grupos armados rivais
e “vândalos”, e um porta-voz prometeu completa investigação dos fatos. Em
Luanda começou a circular um panfleto de um suposto grupo juvenil assumindo os
ataques e dizendo que seu objetivo era fazer “respeitar as eleições” e
preservar a paz. Porém, Luaty Beirão, um popular rapper angolano que organizou
a marcha em Luanda, e que foi atingido na cabeça, declarou que ele e seus
amigos foram atacados, na verdade, por membros mascarados de uma força bem
treinada.
“Logo
que chegamos ao local do encontro pudemos ver um grupo de pessoas batendo ao
acaso, e vieram até nós nos provocando para lutar”, contou Beirão à IPS. “Como
nos negamos, mudaram o tom e disseram que se fôssemos embora e cancelássemos a
manifestação nos deixariam em paz. Também nos negamos e, então, vieram para
cima da gente. Só lembro de ter recebido um golpe na cabeça e cair no chão, e
depois ouvir vários disparos para o ar”, acrescentou.
Beirão,
de 30 anos, que recebeu vários pontos na cabeça, disse que “a polícia não
estava em parte alguma, e pela forma como fomos cercados era possível ver que
sabiam o que faziam, não eram arruaceiros comuns”. A poucos quilómetros de
distância, o secretário-geral do pequeno partido de oposição Bloco Democrático,
Filomeno Vieira Lopes, que se dirigia ao local do protesto, também foi atacado
e levado a um hospital com ferimentos na cabeça e no braço.
“Considerando
que 2012 é um ano eleitoral, estes acontecimentos são realmente preocupantes”,
disse Sizaltina Cutaia, do escritório angolano da Iniciativa por uma Sociedade
Aberta para a África Austral. “Nos revelam a situação em que está a
participação política em Angola, onde a liberdade de reunião e manifestação é
sistematicamente negada aos cidadãos. Trata-se de uma verdadeira ameaça à
democracia”, afirmou.
Até
agora, os protestos políticos eram raros em Angola. Poucos se atreviam a
criticar as autoridades por medo de perder seus empregos ou a pouca
estabilidade conseguida desde que, em 2002, terminou a guerra civil que durou
três décadas. Entretanto, desde março do ano passado movimentos de jovens
começaram a sair às ruas exigindo uma distribuição equitativa dos dividendos da
paz neste país rico em petróleo, e em resposta à debilidade da oposição no
parlamento.
Além
de se queixarem da desigualdade e da má qualidade dos serviços públicos, os
jovens pedem a renúncia do presidente José Eduardo dos Santos, no poder há 32
anos e que comanda o Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), que
governa o país desde sua independência, em 1975. “Para nós, o grande problema é
Santos. Tem que ir embora”, disse Beirão. “Queremos que renuncie. Trinta e dois
anos é muito tempo para um homem governar um país. A juventude está farta do
que ocorre aqui. As pessoas podem fingir que está tudo bem, mas não está. Nosso
país não é governado de forma adequada, não há investimento em saúde nem em
educação, e muitas pessoas estão sofrendo”, destacou.
Angola
é uma das economias de crescimento mais rápido na África. A previsão é que seu
produto interno bruto cresça 12% este ano. Metade da população, no entanto,
permanece na pobreza e sem acesso a água potável, e o país tem uma das taxas de
mortalidade infantil mais altas do mundo: uma em cada cinco crianças morre
antes de completar cinco anos. “As pessoas sabem que as coisas não estão bem,
mas têm muito medo de perderem empregos e famílias”, explicou Beirão, cujo pai
foi membro do MPLA. “Para mim, os que se mantêm em silêncio simplesmente são
cúmplices das injustiças que acontecem aqui”, ressaltou.
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