No aniversário dos dez anos
de paz em Angola, o economista Justino Pinto de Andrade acredita que riquezas
como petróleo e diamante precisam impulsionar outros setores da economia do
país, como a indústria e agropecuária.
Ele é descrito em Angola
como um intelectual de mão cheia. Diretor da Faculdade de Economia da
Universidade Católica, é ainda cronista, escritor e comentarista político da
Rádio Ecclésia, a emissora católica de Angola. Justino Pinto de Andrade também
é presidente do partido da oposição, Bloco Democrático.
Antigo membro de proa do
MPLA na luta de libertação, ele já foi preso varias vezes por discordar do
status quo político em varias épocas. Também foi preso político em Angola e no
campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, durante o período colonial.
Em entrevista à DW África,
Justino Pinto de Andrade diz que Angola precisa gerar desenvolvimento, e não
apenas crescimento econômico. E assinala as principais conquistas do país nos
últimos dez anos.
DW África: Quais são, do
seu ponto de vista, as maiores conquistas dos dez anos de paz em Angola?
Justino Pinto de Andrade:
Muita gente regressou ao interior do país, voltou ao seu habitat natural, com
seus familiares, e este reencontro é positivo.
Hoje também já podemos
circular dentro do país sem grandes dificuldades. As estradas foram
reconstruídas, outras foram construídas, então os angolanos já podem circular
por estrada, o que era impossível no passado.
DW África: Depois da paz,
Angola teve um crescimento notável em vários aspectos, principalmente
econômico. Como se pode explicar, na sua condição de economista, que estes
dividendos da paz não sejam notáveis em todos os setores da vida nacional?
Dez anos do fim da guerra
civil trouxeram melhorias, mas ainda há muito por fazer
JPA: Bom, são dez anos, não
são cem anos. E em dez anos é possível fazer alguma coisa, não é possível fazer
tudo. A paz permitiu que alguns setores da nossa sociedade se beneficiassem de
forma grandiosa, e outros ainda estão a conhecer apenas alguns benefícios, mas
há também quem tenha conhecido malefícios. Em resumo, há benefícios diretos e
há benefícios indiretos. O que nós queremos hoje são os benefícios diretos.
Não queremos só estradas e
pontes. Nós não queremos só poder circular, nós também queremos que haja um
aumento no rendimento das famílias, para que se possa viver com maior desafogo,
com maior qualidade de vida. É isto que está a faltar. Mas com o tempo e com
outras políticas mais ajustadas, nós poderemos seguramente melhorar aquilo que
está mal.
DW África: Angola é um país
com muita riqueza, como o petróleo e a extração de diamantes. Podemos dizer que
esta riqueza se trata, na verdade, de uma maldição?
JPA: Pode ser uma bênção e
pode ser uma maldição. Será uma bênção se ela permitir não só aumentar o
rendimento global da nossa sociedade, mas permitir também induzir outros
rendimentos. Será uma maldição se ela matar outros setores de atividade.
Por exemplo, nas Lundas,
que é a zona mais privilegiada em termos de diamantes. Nas Lundas o diamante
não é uma bênção; é uma maldição, porque nem toda a gente se beneficia do
diamante. As populações originárias daquela zona não tiram benefício do
diamante. Apenas algumas pessoas têm benefício com os diamantes.
E inclusive quando se
explora o diamante, impede-se o desenvolvimento da agricultura e da pecuária, e
nós sabemos que as Lundas são zonas que deveriam ser zonas privilegiadas de
produção agropecuária, por exemplo. Não há outras indústrias também que tenham
sido induzidas pelo diamante nas Lundas.
Moradores de Cabinda não
veem benefícios do petróleo
Assim como em Cabinda, onde
pelo menos 50% do petróleo são extraídos, nós sentimos que as populações não se
beneficiam diretamente da grande riqueza que têm no seu mar. E por isso dizer
ao povo de Cabinda que o petróleo é uma bênção é estar a gozar com o seu
destino. Porque inclusive por causa desta riqueza e de outras questões
desevolve-se ali um conflito que tem custado uma grande instabilidade e até
muitas vidas humanas naquela região do país.
É evidente também que hoje
se assiste em outras áreas do país a produção agrícola, o surgimento de alguma
indústria, o alojamento do comércio, mas tudo isso está condicionado ao
petróleo. E quando o petróleo condiciona o desenvolvimento nas outras áreas,
significa que um mal momento para o petróleo se transformará também num mal
momento para as outras áreas.
Nós temos que alargar o
leque da nossa atividade econômica, temos que reduzir cada vez mais a nossa
dependência em relação ao petróleo e não estamos a conseguir com êxito ainda.
Ainda estamos fortemente dependentes do petróleo.
DW África: O que acha sobre
a questão das liberdades, comparando antes do fim da guerra e hoje, qual seria
o seu balanço?
JPA: Nós durante a guerra
centrávamos toda a nossa atenção sobre o conflito e tudo era desculpável em
nome do conflito, inclusive violações flagrantes dos direitos humanos e das
liberdades das pessoas. Hoje nós não temos guerra e continuamos a ter flagrantes
violações dos direitos humanos em Angola e limitações bastante grandes às
nossas liberdades.
Eu penso que isto é fruto
da cultura que prevaleceu não só por causa da guerra mas também pela cultura
política do partido único. Isto é, deixar formalmente que os outros existam,
mas na realidade, na prática, condicionar demasiado a sua atividade. E isto na
realidade não pode ser visto como democracia. Nós estamos a viver um momento de
contração no espaço das liberdades dos cidadãos.
DW África: Para os próximos
dez anos de Angola, qual seria o seu desejo?
JPA: Primeiro de tudo que o
país se pacificasse na íntegra. Segundo, que nós tivéssemos um maior
desenvolvimento econômico, não só crescimento econômico: um crescimento que se
refletisse sobre a vida das pessoas em todas as suas dimensões. Além disso, que
nos libertássemos da forte dependência que temos do petróleo e que também
tivéssemos uma vida política mais ativa, mais livre e mais democrática.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Faça o seu Comentário