Luanda
- Angola tem registado vários processos de regionalização ou municipalização
dos assuntos públicos. Os mais antigos são as regiões militares e
regionalização da saúde e as mais recentes a criação das regiões académicas e a
“municipalização da saúde”. Claro que não falo aqui de processos anteriores à
independência.
O
novo programa de combate à pobreza do executivo, dito Programa Municipal
Integrado de Desenvolvimento Rural e Combate à Pobreza (PMIDRCP), vai no
sentido de tornar o município o seu epicentro, concentrando aí os meios e
recursos e integrando as suas acções, nos domínios da agricultura, da água, da
saúde e da construção. Então, se a descentralização tem virtudes
incontornáveis, como reconheceu José Eduardo dos Santos, no seu recente
comício, no Moxico, porque não deixar a tarefa da gestão das colectividades
territoriais aos próprios municpios e deixar de fazer deles meros executores das
políticas do Estado central.
Os
municípios teriam, geridos como autarquias, maior dinamismo e mobilizariam
outras sinergias que o Estado não está capaz´de o fazer. O Estado poderia
contratualizar com as colectividades territoriais, nesse sentido, fazendo
apenas a fiscalização das políticas públicas, por via da avaliação de
resultados, e ocupar-se-ia das grandes obras tendentes ao combate à pobreza, no
espírito da Estratégia de Combate à Pobreza (2004) que o executivo abandonou,
sem nenhuma análise crítica dos seus resultados e bondade.
A
descentralização política é um dos processos que maior potencial de mudança
encerra, pois representa, pela sua própria natureza, uma oposição à hegemonia
(política, económica, social e cultural) do Estado autoritário e concorre para
a desconstrução do corporativismo, em que este se organiza, até pelo facto de
permitir novas “fileiras” de promoção política independentes do controlismo
central, quer do regime, quer de outros poderes, nomeadamente partidários. Por
outro lado, representa uma forma de promoção e de qualidade do político com uma
mais próxima e melhor gestão, nomeadamente dos serviços sociais da educação,
saúde, saneamento e habitação que são fundamentais para o desenvolvimento do
país. Permite também uma maior mobilização do corpo social e uma partilha de um
pensamento estratégico nacional, independentemente das diferenças políticas e
da alternância no poder. Proporciona igualmente uma melhor distribuição da
riqueza e, até de oportunidades de criação da riqueza. Em suma, as eleições
locais tenderiam a desactivar conflitos, a assegurar uma melhor representação
das populações, uma maior proximidade dos governantes dos governados e, uma
consequente responsabilização daqueles diante destes, sendo, por isto, uma boa
escola para a democracia e um factor importante do desenvolvimento nacional.
A
Constituição actual, após dispor sobre os órgãos de soberania nacional refere
as Autarquias locais como forma de governo autónomo das colectividades
territoriais que “compreende o direito e a capacidade efectiva” de gestão e
regulamentação (artigo 214º, CRA) que dão sentido a organização democrática do
Estado a nível local e asseguram a prossecução de interesses específicos, “nos
domínios da educação, saúde, energias, águas, equipamento rural e urbano,
património, cultura e ciência, transportes e comunicações, tempos livres e
desportos, habitação, acção social, protecção civil, ambiente e saneamento
básico, defesa do consumidor, promoção do desenvolvimento económico e social,
ordenamento do território, polícia municipal, cooperação descentralizada e
geminação”, ao nível dos municípios do país (artigo 219º, CRA). As autarquias
locais, seundo a Constituição, têm órgãos próprios: “uma assembleia dotada de
poderes deliberativos, um órgão executivo colegial e um presidente da
autarquia”, “eleitos por sufrágio universal, igual, livre, directo, secreto e
periódico dos cidadãos eleitores da respectiva circunscrição, segundo o sistema
de representação proporcional (artigo 220º, CRA). A Constituição prevê também a
possibilidade de haver autarquias de nível supramunicipal, tendo em conta as
especificidades culturais, históricas e o grau de desenvolvimento de outras
colectividades territoriais, como por exemplo, no caso de Cabinda, onde se deve
partir para um processo de criação de uma região autónoma (o Bloco Democrático
(BD) já propôs, com a aprovação declarada d algumas das alas da FLEC, a realização
este ano, de uma conferência designada “Mwanza da Autonomia”).
As
eleições autárquicas são, por isto, mais do que uma reivindicação política, são
uma aspiração popular e um desafio de desenvolvimento. Temos os pressupostos
necessários à realização deste desiderato constitucional, só falta a vontade
política, neste sentido. Apesar do poder dizer que está a harmonizar a lei
comum às disposições da nova Constituição, neste caso, produziu uma lei (Lei
17/10) que subverte o espírito e a letra da Constituição e insiste na
administração jacobina, centralizadora, através de uma cadeia de declinações do
poder central, que vão do Presidente da República aos administradores comunais
ou mesmo, até aos sobas e coordenadores de bairro.
As
eleições autárquicas já foram apontadas para várias datas. A última data
indicada e repetida, em múltiplas circunstâncias e por vários actores políticos
e sociais, era 2013, logo depois das ditas “eleições gerais” deste ano. Agora o
titular do Ministério da Administração do Território (MAT), Bornito de Sousa,
disse que estas eleições só terão lugar em 2015 (ver entrevista ao Expansão –
semanário de economia). Haja paciência!
*
Cientista social
Fonte:
NP
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