Defendeu com unhas e dentes o regime
monolítico que vigorou no país até ao começo da década 90. Provavelmente, com
algum excesso de zelo. Fazia parte da temível Segurança de Estado.
Desmobilizado, em 1991, por força dos Acordos de Bicesse, foi entregue à sua
sorte. O entrevistado do SA, Isomar Pedro Gomes, ex-funcionário sénior da
delegação provincial da Segurança do Estado (em Benguela), hoje é um homem
amargurado, frustrado. Recusa-se a revelar os cargos que exerceu dentro da
«secreta» benguelense, por «segredo de Estado» desculpa-se. Este jornal soube
que ele não foi no passado um modesto operativo da Bófia, visto que já chegou
ao posto delegado provincial interino da contra inteligência em terras de
Ombaka, e mais tarde ao de professor da escola de contra inteligência no
município da Baia- Farta.Atirado para as sarjetas do desemprego, sem apoios da
Caixa Social das Forças Armadas Angolanas (FAA) ou de uma outra instituição
castrense, lamenta a sua sina, assim como de milhares de ex-companheiros de
farda, que igualmente estão a «saborear as passas do Algarve».
Semanário Angolense (SA): Foi membro da
comissão encarregue de desmobilizar os antigos agentes da segurança do Estado
em Benguela, por força dos acordos de Bicesse. Como foi feita a desmobilização?
Isomar Pedro Gomes (IPG)- Os membros afectos à antiga Segurança de
Estado foram desmobilizados no âmbito dos acordos de paz entre o Governo e a
UNITA, visto que fomos considerados excedentários das Forças Armadas Angolanas
(FAA). Julgo ter sido um erro, já que os efectivos dos Serviços da Segurança do
Estado não pertenciam as forças armadas, mas, enfim, não tivemos outra saída
senão aceitarmos a nossa desmobilização.
SA- Quais foram as promessas que haviam sido
feitas pelo Governo quando se registou a desmobilização?
IPG- Eles
prometeram que, após a nossa passagem à desmobilização, seriamos enquadrados
na vida civil, tendo nos sido garantido em diversas instituições do Estado. Infelizmente,
após a nossa desmobilização houve o retorno da guerra civil, e o campo de
manobra do Governo ficou reduzido, daí a sua incapacidade em resolver o nosso
problema do desemprego.
SA- Passados 20 anos desde que foram
desmobilizados e 10 dos quais sobre o fim da guerra, que resposta têm recebido
em relação ao não cumprimento de tais promessas?
IPG- Nós
entendemos que após a nossa desmobilização, que decorreu ainda no período da
guerra, o Governo não tinha condições para honrar com as suas promessas, mas já
não entendemos que passados 10 anos depois de o calar das armas, o mesmo
Governo não tenha conseguido ainda cumprir com as promessas feitas, por altura
da nossa desmobilização.
Se não estou enganado, em 2005, um grupo de camaradas teve a ideia de
organizar-se em associação, com o objectivo de defender nossos interesses e se
encontrar um interlocutor que pudesse levar as nossas preocupações ao Governo
de Benguela, mas infelizmente até hoje o problema não foi ainda resolvido.
Quando nos dirigimos ao Governo, a única resposta que temos recebido tem sido:
«Esperar, esperar» …
SA- Como é que está a moral dos ex-membros da
segurança do Estado perante esta situação?
IPG- Um indivíduo que fica 2 a 3 meses sem
salários, fica com boa moral? Acredito que não, mas vou lhe dar um exemplo: li
recentemente uma notícia no seu jornal que dizia que os guardas prisionais
haviam manifestado a sua intenção de libertar os presos, devido a cortes
salariais de que tinham sofrido. Imagina que esses guardas prisionais só porque
sofreram descontos nos seus salários, chegaram ao ponto de ameaçam soltar presos,
agora imagine nós, que estamos há 20 anos sem receber um único tostão?
Demos toda a contribuição para a defesa da pátria e do MPLA, porque,
naquela altura, o Ministério da Segurança do Estado, era um ministério que
defendia o sistema mono partidário, no qual o MPLA era a sua força dirigente;
naquela altura entediamos que defender o MPLA era defender a pátria e defender
a pátria era defender o MPLA. Nós demos toda nossa vida e sacrificamos toda a
nossa juventude na defesa do MPLA.
Há 20 anos que estamos a espera d e uma resposta do Governo. É muito
tempo de espera! Nestes 20 anos, muitos dos nossos camaradas, que eram antigos
operativos já morreram na maior das desgraças, sem verem um único tostão.
Hoje, muitos desses camaradas estão a fazer trabalhos braçais, de baixo
nível, como roboteiros, carvoeiros, enfim, não é que esses trabalhos sejam
indignos, mas para quem deu toda sua vida na defesa do MPLA ir acabar desta
forma é muito mais que indigno. É mesmo muito triste saber que 20 anos depois
da nossa desmobilização, o próprio MPLA, que ainda governa este país já não se
lembra de nós.
SA-E nunca ouve um pronunciamento ou um
encontro entre a vossa associação e o governo?
IPG- Bem, se eu lhe contar toda história acerca
da nossa organização, a ASPAR (Associação Social para Apoio e Reinserção) não
será hoje que vamos terminar a entrevista. Mas deixa-lhe dizer o seguinte:
mantivemos vários encontros com o governador provincial de Benguela, Armando
da Cruz Neto, e outras com entidades que nos pediram a documentação para a
formação de processos e cadastramento do pessoal para a sua inserção na Caixa
Social. Só que, há pessoas dentro da ASPAR, que têm introduzido individuos que
nunca sequer foram membros da Segurança de Estado, e muitas dessas pessoas são
agentes no activo da Polícia Nacional, dos Serviços de Emigração Estrangeiros
e até mesmo do SINFO, portanto, como pode ver a pessoas que por cima do
sofrimento dos outros fazem negócios escuros.
Em 2008, à margem da campanha eleitoral do MPLA, fomos contactados por
um representante da Casa Militar da Presidência da República, que é o
brigadeiro Lubom, com quem nos reunimos no salão nobre da Delegação do Ministério
do Interior (em Benguela). Ele ficou admirado e chocado ao saber da nossa existência.
SA- Temos conhecimento que recentemente a
directora Nacional da Caixa Social manteve um encontro com a direcção da vossa
associação em Benguela, onde ela fez saber que o governo já havia
disponibilizado dinheiros de 6 meses…
IPG: Esses 6 meses que a senhora se referiu -eu
por acaso não estive presente- mas sei que esteve presente nesta reunião a
direcção da Aspar nacional e a provincial. Por aquilo que é do meu
conhecimento, após a representante da Caixa Social ter informado que o Estado
havia disponibilizado este valor, e questionado a direcção da Aspar (quer a
nacional quer a provincial) sobre o paradeiro desses valores ninguém soube dar
um esclarecimento onde que estava o dinheiro, e prontos, tudo ficou assim
entre os compadres…E quando as pessoas reclamam ainda querem se dar ao luxo de
nos ameaçar…
SA- Está a falar de um seu colega que terá
sido ameaçado pelo ex-deputado do MPLA, Paulo Rangel, na presença do
comandante provincial da Polícia Nacional e delegado do Ministério do Interior em
Benguela, o comissario António Maria Sita?
IPG- Se alguém reclama deve ser ouvido. Os
camaradas Paulo Rangel e Sita, assim como os outros camaradas não estão na
nossa pele, só quem sabe o que é ficar 20 anos sem salários, é que entende a
nossa dor. Por exemplo, o Paulo Rangel, tem o seu ordenado em dia como
ex-deputado, tem o seu ordenado de oficial general das Forças Armadas Angolanas,
e provavelmente, está inserido na caixa social das Forças Armadas, então como é
que um indivíduo desses vai entender o nosso grito, se nós gritamos, é evidente
que ele vai achar isso muito estranho! E foi isso que de facto aconteceu.
SA- O que é lhe vem em mente, depois destes
anos todos de abandono?
IPG: É uma situação de frustração! Ainda hoje,
estive com um dos meus camaradas, que chorou a minha frente, só porque ele tem
a mãe hospitalizada e a filha doente, e ele não tem um tostão sequer, para
atender as necessidades hospitalares da sua familia. E como ele não tinha onde
recorrer, veio ter comigo para ver se eu lhe emprestasse algum dinheiro, mas
infelizmente, eu também nem sequer tinha 100 kwanzas para lhe ajudar e,
naturalmente, eu tinha de chorar com o meu companheiro. Então, com todas essas
dificuldades o que é nos virá a mente, meu caro amigo? Pensar que um dia nós
servimos este país; pensar que um dia demos o «litro» regime, é um sentimento
de revolta, de indignação de tudo…. Se este regime ainda existe é porque muitos
camaradas não olharam para si, nem pelos interesses da sua família. ■
Fonte: Nelson Sul d´Angola do Semanário Angolense